quinta-feira, 13 de agosto de 2015

ÀFRICA, SEI TU MESMA

No ano 2010 celebramos com grande alegria e orgulho, os 50 Anos de Independência de Àfrica. O ano 1960 está marcado na história contemporânea como “ O Ano de Àfrica”, pois 17 dos seus 54 paises,  obtiveram a anseiada independência, proclamando a sua soberania política, entre os meses de Janeiro e Novembro desse mesmo ano. É o maior processo de independência da história num só ano. São quase 12 milhões de kms. quadrados, com uma populaҁão actual de 399 milhões de habitantes.


   O 31 de Dezembro de 1959, antes de produzir-se o boom da independência, havia em Àfrica só 10 países soberanos, quatro deles na Àfrica Subsahariana: Libéria (1847), Sul Àfrica (1910), Ghana (1950), e Guinée (1958). O dia 13 de Dezembro de 1960 eram já 27 os países soberanos.

  Os 17 países do Boom foram: Camerum (1 de Janeiro), Togo (27 de Abril), Malí e Senegal (20 de Junho), Madagascar e Somália (26 de Junho), República Democrática do Congo (30 de Junho), Benim (1 de Agosto), Níger (3 de Agosto), Burkina Fasso (5 de Agosto), Costa de Marfim (7 de Agosto), Chade (11 de Agosto), República Centro-Africana (13 de Agosto), República do Congo (15 de Agosto), Gabom (17 de Agosto), Nigéria 91 de Outubro) e Mauritánia (28 de Novembro).

  Entre 1960 e 1970 proclamaram a sua independência outros 15 países; 9 entre 1971 e 1980; um entre 1981 e 1990 (Namíbia) e outro entre 1991 e 2003 (Eritreia). No mês de Fevereiro de 1990 foi liberado Nelson Mandela e em 1994 eleito Presidente da nova Sul - Àfrica. Só fica por resolver o conflito do Sahara Ocidental, que é um problema de descolonizaҁão. A Europa colonialista procurou transformar as antigas relaҁôes  de independência, em vínculos preferenciais de cooperaҁão política, económica e cultural. Era outro modo mais subtil e encoberto de exploraҁão.

  Vemos como as 17 soberanias conhecidas no 1960 não foram uma garantia de independência para os Novos Estados, nem no político, nem no económico. Na década do 60 os países africanos que izaram a bandeira de independência, não estavam em piores condiҁôes que muitos dos países latinoamericanos e asiáticos. Não obstante, 50 anos depois, muitos figuram na lista dos chamados Estados falhidos e dos mais pobres da terra.

  Uma Primaveira com muitas nuvens.- No processo de independência africana encontramos quatro etapas: Na primeira etapa surgiram os “pais da pátria”, primeira geraҁão de dirigentes eleitos democraticamente (Nkrumach, Sókou Tour”, Július Nyerere, Joseph Kasavuvu, Léopodl Sédar Senghor…). Na segunda aparecem os golpistas chefes militares, que proibiram os partidos políticos e criaram o partico único, com formas despóticas de exercer a politica. Na  terceira etapa surgem alguns militares dispostos a governar honestamente (Jerry Bawlings de Ghana, Thomas Sankara de Burkina Fasso e Samuel Kanyon Doe de libéria). Na quarta etapa que comeҁa no 1990, produz-se a eclosão do pluri-partidismo inspirados na queda do muro de Berlim e dos regímenes comunistas, mas continua a forma despótica de fazer política, mesmo que apareҁa encoberta de formalidade democrática.

  O grande desafio de Àfrica hoje é ser ela mesma: no político, no económico e no cultural. Desafio muito difícil pela voracidade insaciável das antigas colónias, as quais tem-se unido novos pretendentes: Os Estados Unidos, através das suas multi-nacionais: Russia que penetrou na Àfrica com o pretexto de lotar contra o imperialismo ocidental; a China, a India, o Brazil… Estes países, particularmente, a China, tem-se lanҁado ao assalto de Àfrica, com modos mais encobertos, mas não por isso menos depredadores, como aconteceu  com o petróleo  de Sudam. Tem descoberto  no continente um imenso viveiro de matérias primas para impulsionar as suas economias emergentes, mas tão pouco tem promovido a industria, nem impressas de transformaҁão em terra africana.

 Os políticos africanos devem passar de ser líderes sem ética e unicamente obsesionados pelos seus interesses pessoais, a serem políticos com um ambiciosos projecto que favoreҁa aos seus respectivos povos. Àfrica precisa de líderes capazes de assumir os desafios presentes e futuros, de não expor o continente ao saqueio dos seus recursos naturais e aos seus povos  às doenҁas e à pobreza.

  A maior riqueza do continente.-  A populaҁão africana superou os mil milhões. Esta é a maior riqueza do continente, o seu potencial humano. É  certo que a mais populaҁão, maiores problemas. Contudo , o frondoso bosque dos valores da sociedade africana surpassa com muto as suas deficiências.  E não obstante as grandes epidemias da SIDA e da malária, o nosso crescimento demográfico é quase o duplo que aquele de Asia e de América Latina. Em 1960 eramos 277 milhôes. Em 1970, 354. Em 1980, 483. Em 1990, 640. No ano 2.000, 789 e no 2010, 1.034 mihôes.

  Os nossos problemas.-  Um problema grave em Àfrica é a deficiente calidade da educaҁão, que contribui à fuga dos profissionais a outros continentes com melhores possibilidades formativas e retribuiҁôes salariais mais justas. Dos 114 milhôes de crianҁas africanas, 42 milhôes não estão escolarizadas e os que terminam o ciclo básico tem grande dificuldade para passar ao Secundário. A calidade da educҁão em todo o continente adoece de uma deficiência crónica. Segundo a organizaҁão internacional para as migraҁões, anualmente, abandonam Àfrica uns 23.000 universitários e 50.000 executivos. Os governos nada fazem para deter esta fuga.

  Àfrica é o continente pelo qual galopam os cavalos do Apocalipse, portadores de todos os males. Sendo os mais visíveis a pandemia do HIV-SIDA e a tradicional malária. O trâfico de pessoas é uma lacra denunciada em numerosas ocasiões. A escravidão, de facto , é praticada, particularmente , com as crianҁas. Nas minas de RDC trabalham 43.000 e de elas 23.000 em Katanga. Àfrica suma mais de 13 milhôes de desplazados internos.

  A insuficiência  sanitária é outra deficiência entre nós.  Se os países desenvolvidos gastam em saúde 40 dólares por habitante, Àfrica gasta só um. Esta insuficência vá de mãos dadas com a tremenda falta de pessoal sanitário no continente. E o 20% dos médicos africanos exercem fora do continente. Na área da saúde terminamos com uma noticia positiva: A descida da SIDA em Àfrica a um 15%, é devido, sobretudo à prevenҁão.

  Outra grande fraqueҁa tradicional das sociedades africanas é a inexistência de associaҁões civis, com objectivos políticos ou ideológicos ou como contra-poderes. . A heranҁa colonial  com a sua exclusão originou uma sociedade civil débil e dependente, debilidade reforҁada depois com os partidos únicos. O medo atenaza Àfrica e silencia todas as vozes discordantes., que deveriam impulsionar a transformaҁão dos governos, de exploradores em servidores do desenvolvimento dos seus povos. Mas, a partir da década do 80, notamos um despertar sócio-político e que as sociedades africanas comeҁam a manifestar um certo dinamismo com a proliferaҁão de associaҁões e de redes de militância, não obstante as repressões e limpezas étnicas fomentadas pelos poderes públicos.

  A economias africanas.-  Àfrica, é um continente com enormes recursos naturais e grandes possibilidades económicas. Só os acordos comerciais justos, e bom governo e a luta contra a corrupҁão, ajudar-lhe-hão a sair da pobreza e alcanzar maiores quotas de desenvolvimento e bem-estar. A crise económica mundial afecta de modo especial a economia dos países africanos, e a própria corrupҁão interna, doenҁa endémica africana.

  A integraҁão de Âfrica no mercado financeiro internacional, nos últimos 10 anos, favoreceu um crescimento, relativamente forte, mas também tem feito que seja mais vulnerável à desaceleraҁão da economia mundial. A demanda de produtos básicos (diamantes, café, cação, caucho, madeira, minerais etc.) tem baixado e o desenvolvimento aumentou. Na República Democrática do Congo, só na rica Província de Katanga fecharam o 60% das impressas e despediram uns 300.000 pessoas. Em Sul Âfrica, em cujas minas trabalham imigrantes de Lessooto, Suazilándia e Mozambique, só em Fevreiro de 2009 mais de 5.000 trabalhadores perderam o emprego e os imigrantes dos países limítrofes estão a ser expulsos.

  A producҁão de caucho na Libério diminuiu de 135.000 toneladas em 2007 a 88.000 em 2008 e houve maior queda ainda em 2009. Entanto que em Kénia as remessas empeҁaram claramente a se reduzir em um 23% em 2008 e a queda não cesou no 2009. Os países que dependem da ajuda exterior para o seu desenvolvimento, como Benim, Comoras, Etiopia, Libéria e Níger, constaram uma reducҁao das ajudas. Camerum e Gabom seguem em retrocesso. As inversões internas continuam a diminuir devido às tasas mais altas de interesse.

  Os 10 países africanos com maior índice de desenvolvimento são: Líbia, Seycelles, Maurício, Túnes, Gabon, Argélia, Guinée Equatorial, Cabo Verde,   Egipto e Botswuana. Os 10 com menor índice são: Níger, Serra Leona, R. Centro-Africana, Malí, Burkina Fasso, R.D. do Congo, Chade, Burundi, Guinée Bissau e Moҁambique.

  A nossa pobreza.-   É uma dramática realidade que a pobreza instalou-se em Âfrica como na sua própria casa.  O que fazemos mal para merecer semelhante estigma?   Acreditamos que um modo de estimular o nosso desenvolvimento seria condicionando toda a ajuda exterior ao comprimento de alguns requisitos: 1. Priorizar a actividade agro-Pequária, como garantia de subsistência para a populaҁão e de autosuficiência nas suas necessidades básicas. 2. Selecҁão dos seus quadros administrativos. Os governos devem estabelecer sistemas objectivos, baseiados no esforҁo e nos mêritos. 3. Os governos devem instaurar um sistema de contas nacionais transparentes. 4. A ajuda alimentária exterior arruína os agricultores e altera o mecanismo dos preҁos internos.   5. Devem criar-se incentivos que evitem o fluxo migratório do campo às cidades, originando grandes desequilíbrios. 6. Eradicar o sistema de compra-venda de documentos oficiais e títulos académicos. 7. Estabelecer uma autêntica liberdade de imprensa, que eleve a formão crítica dos cidadãos, etc.  Em Moҁambique, por exemplo, a luta contra a pobreza absoluta é o slogan do governo e fica só nisso, em palavras. Não existem acões políticas sérias que ajudem, realmente o povo a surpassar a tão cacarejada pobreza.  Viver, o que se diz viver, unicamente os que estão ao lado do partido único.   Os outros tem poças esperanҁas de sair da pobreza.

  Educaҁão e independência.-  Nos últimos 50 anos o acesso à educação aumentou consideravelmente em Àfrica. Mesmo como é lógico não haja conseguido alcanҁar os níveis adequados. Ademais, a diferencia entre uns países e outros é muito grande, como entre as zonas rurais e urbanas, dentro do mesmo pais. Contudo, desde alguns anos há, numerosos artistas africanos adquiriram fama mundial em diferentes manifestaҁôes culturais, pêla preparaҁão técnica e calidade das suas obras. Somos testemunhas de que os governos africanos realizaram, nas últimas décadas, esforҁos ingentes para melhorar o sistema educativo nos seus países, bem que continue a adoecer de importantes deficiências, derivadas dos elevados índices de pobreza. Também na Àfrica somos conscientes de que a educaҁão constitui o motor do desenvolvimento económico e social dos seus povos. É uma ideia defendida com forҁa desde o início da independência pelos grandes do continente. E Àfrica caminha decidida até este objectivo. Não obstante o caminho feito, os dados práticos que manejamos sobre a educaҁão em Àfrica, são desfavoráveis para o continente.

 Sem entrar no análise dos sistemas educativos e da sua implementaҁão, devemos admitir que há demasiados africanos que não vão à Escola ou a abandonaram cedo, especialmente mulheres, devido à chamada disparidade de género ou outros lastres culturais.

  Identidade cultural africana.- Entendemos por Cultura Tradicional Africana a manifestaҁão original e global das experiências acumuladas pela Comunidade de Povos Africanos., através dos séculos.  Como características dominantes da nossa cultura ressaltamos:  A oralidade  e o poder da palavra; o poder dos símbolos; a autoridade dos anciãos na transmissão fiel da Tradiҁão e a Centralidade da Família, como lugar da transmissão da vida e da cultura e o profundo sentido religioso que está na base da nossa cultura africana. Hoje, a identidade da cultura africana move-se entre a rica tradiҁão e o diálogo com a modernidade. Neste contexto é funҁão dos sábios, dos intelectuais, o fixar e preservar a memória colectiva, ao tempo que o exercer a lideranҁa moral com a sociedade que representam. Ao contrário de quanto afirmam demagogos  e manipuladores, as tradiҁões africanas não eram extáticas, senão dinâmicas, em permanente transformaҁão. Foi precisamente o encontro com a Europa  - primeiro a escravidão, logo o colonialismo -  o que travou seu processo evolutivo. Desde então o africano é um ser sem pegadeiras espirituais, sem convicҁões, cambaleiando entre o passado e a mercê de outros valores que não terminaram de assumir. O encontro com Europa, a partir do século XV, dotou aos africanos de uma nova cosmovisão, que assumiu, geralmente, sem destruir a sua própria  essência. Entanto que a maioria dos europeus que chegaram à Àfrica permaneceram impermeáveis às culturas dos povos que sometiam; os africanos abriram-se a outras formas de pensamento, a outros costumes, a outras línguas e credos.

  Qualidades que a cultura África aporta à humanidade são: sua pré-disposiҁão para escutar, para a generosidade, a hospitalidade, a solidariedade e a tolerância.

  Confio no futuro de Àfrica.-  Nâo obstante as abundantes sombras  que aparecem nesta rápida panorâmica africana, estou convencido que Àfrica tem um grande futuro. Seus admiráveis valores culturais e humanos são o húmus desta esperanҁa. Um momento positivo foi que depois da independência, o continente esforҁou-se para se organizar a nível regional e continental.  Que os africanos se faҁam cargo dos seu próprios problemas constitui um facto, um passo recente. Como pode-se observar pelas mediaҁões em Guinée, Níger, Costa de Marfim, Tog, Zimbawbe, Kénia e Madagascar, realizadas no marco das organizaҁões regionais e continentais.


O nosso futuro há de ser esplêndido, porque não há outro continente que concentre tantos recursos naturais e tantos metais preciosos. Cada dia descobrem-se novos recursos energéticos nalgum pais africano. Somos mais de mil milhones de habitantes e dentro de 50 anos terá sido duplicada a populaҁão. Com tantos recursos e tanta riqueza humana, chegará o momento em que Àfrica encontrará a estratégia adequada para traduzir todo isto em elementos positivos face ao desenvolvimento do continente.

Yo, amo África
Maiores motivos para a esperanҁa.-  Se miramos o continente com olhos cristãos, a nossa esperanҁa toma forҁa e coloca os seus pés numa  realidade palpavel. Nas últimas quatro últimas décadas quintuplicou-se o número dos católicos africanos, graҁas ao trabalho da Igreja missionária e à progressiva madureza das Igrejas particulares. Vejamos o crescimento gradual da igreja:   Em 1950 os católicos eram 13.000.000 ; em 1970, 36.000.000; em 1982, 59.281.263; em 2003, 142.637.822; em 2006, 159.909.001 e em 2010 já éramos 183.825.322. Estes números  dados são um grito de espertanҁa e justificam a afirmaҁão do II Sínodo Africano:  ” Hoje, somos o continente da esperanҁa para a igreja”. Nesta transformaҁão  foram relevantes a celebraҁao dos dois Sínodos.  Na mensagem final do II Sínodo encontramos iutuiҁões afortunadas e inspiradoras. A nossa  Igreja Africa esá bem organizada e, um dinamismo evangelizador, muito forte, corre pelas veias dos cristãos. Os leigos são a forҁã propulsora da Igreja. Os abundantes ministérios existentes nas nossas Paróquias e Comunidades Cristãs, são os braҁos da Igreja Jerárquica. Em Àfrica se vive e se celebra com entusiasmo, convertendo-se assim as nossas Assembleias e belíssimas  liturgias, na maior propaganda e catequese visual, que convoca, atrai e forma novos cristãos.

  Àfrica é mestra em humanidade, rica em valores humanos. Aqui as pessoas amam, partilham, vivem o espírito de fraternidade através de sinais muito simples, mas muito profundas e significativas. É certo que ainda deve sofrer profundas transformaҁôes no político, no social, económico e darem passos muito grandes na reconciliaҁҁão e interrelaҁão das culturas.

 Eu amo Àfrica, rica em pobreza e misérias mil, mas mais rica ainda em sabedoria ancestral e tradiҁôes culturais milenárias. Riquissima em humanidade e em valores profundamente humanos, rica em homens e mulheres que transformam a nossa convivência numa festa permanente, a festa da vida e para os cristãos a festa da fê. Acredito nesta Àfrica que avanza até um futuro de esperanҁa. Não precissamos imitar a ninguém, só ser, projectar e trabalhar, verdadeiramente, como africannos.

Manjacaze, 22 Junio de 2015

Enrique Báscones Lezcano, ofm
Misionero en Mozambique

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